Sempre que leio notícias na
internet, tenho o costume de ler também os comentários deixados pelos leitores.
Por refletirem (ao menos em teoria) qual a opinião pública sobre os assuntos,
eles se tornam interessantes.
Ao
ler um artigo a respeito de atuações do Movimento Sem-Teto na cidade de São
Paulo, que tem ocupado prédios abandonados na tentativa de chamar a atenção e
estabelecer um diálogo com as autoridades pela necessidade da Reforma Urbana
(reforma que visa conseguir casas para as famílias que não tem), lê-se
comentários do tipo: “Será que só quem não
trabalha é que tem direitos? E nós, que ralamos muito para ter nosso próprio
imóvel, onde ficamos? O governo não pode ficar dando imóveis, que no fundo saem
do bolso de quem paga rigorosamente os impostos: do nosso bolso. É uma grande
injustiça, um roubo!”.
Em
um artigo sobre o despejo de famílias ligadas ao Movimento Sem-Terra (MST) do
assentamento Milton Santos, imperam comentários desse gênero: “Acabou a mamata... Entrem na fila do minha
casa minha vida e façam como qualquer cidadão correto e adquiram o imóvel de
forma honesta.”
Sobre
frases e poemas escritos como “grafite” nos muros das cidades, como por
exemplo, “Você
já abraçou alguém hoje?" ou
"Mais amor, por favor", escritos na
tentativa de causar um momento de reflexão no correr do dia-a-dia das pessoas os comentários são: “Poluição visual, desrespeito ao patrimônio público e alheio,
emporcalha, enfeia, deixa a cidade com cara de abandono, desconstrói as linhas
da arquitetura existente e só satisfaz o ego de meia dúzia de ditos
"intelequituais".
Essas
declarações tornam-se importantes, na medida em que possibilitam ler as
mensagens que estão por trás de uma mentalidade de senso-comum que impera em
parcela da população.Elas tendem a criar um “charminho crítico” que se diz “estar
do lado do povo”, mas na realidade deixam implícito o seguinte:
No
primeiro caso: O pobre que não tem dinheiro pra comprar uma casa, não o tem
porque é vagabundo e não trabalhou o suficiente. Uma vez que consegui dinheiro
pra comprar a minha, não é justo que quem não tenha condições de fazer o mesmo
ganhe uma casa do Estado, mesmo sendo função deste também curar tensões sociais
como a falta de moradia e exclusão social, e que o dinheiro dos impostos sirva
(também) justamente para isso.
No
segundo caso: Participar de um movimento social e lutar para conseguir um
pedaço de terra para produzir é crime. Não quero saber se você não tem
condições econômicas se quer de financiar uma casa pelo “Minha casa, minha
vida”, e caso tenha, espere pacientemente na fila deste programa assistencial
por tempo indeterminado enquanto mora em lugar nenhum.
No
terceiro caso: Qualquer
manifestação artística criativa de quebra do status quo é vandalismo que deve
ser punido,e agrada a pessoas que não tem o que fazer e por isso criticam a
sociedade e desenvolvem o pensamento ao invés de trabalhar. Vagabundos que
também deveriam ser punidos.
Nota-se
que se essas afirmações fossem levadas a cabo pela política brasileira,
viveríamos num Estado policial, que se mostra indiferente a tensões sociais,
que criminaliza os movimentos populares, despreza o livre pensamento e condena abertamente a liberdade artística
e de expressão. O funesto recado que esse tipo de comentário evidencia é a
criação de uma cultura do ódio na sociedade brasileira que é alimentada pela
classe média e que possivelmente paira entre nós certa nostalgia sombria dessa
parcela pelos “anos de chumbo” existentes de 1964 a 1985.
Lucas
Alexandre Andreto.