terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Os anônimos que dão voz aos muros


Quem foram os autores? Quando pintaram? Porque escreveram isso? Qual a reação do pedestre? Essa mensagem é de domínio público, é divulgada por outros meios? Qual a reação de quem detém a propriedade do muro? "Pichação é crime", expressa a embalagem de tinta em spray.



Sua intenção imediata é o apelo a mudança: aos olhos para que se libertem e lutem por algo, talvez uma paixão fugaz. Barba cerrada, cabelo liso, camiseta e calça jeans, longe de corresponder ao estereótipo de um pichador, Felipe Brait com moldes assinala seus contornos na parede escura. "Você já abraçou alguém hoje?", pergunta. Joseane responde sentada no ônibus 177X-10 em sua volta para casa, "Eu não abracei ninguém. A frase é bonita".


Seria ingênuo acreditar, que em uma cidade em constante mudança, o objetivo dessa intervenção seja apenas cosmético. O artista, que para seu interlocutor é anônimo, trabalha, talvez sem mesmo saber, com uma das dimensões mais densas da cidade: O muro.


Ele que é a linha levantada na cidade, que separa os espaços sociais para isolar os indivíduos. Possibilitando a privacidade, mas também o aprisionamento. Por vezes atravessado por portas de comunicação, outras como símbolo eficaz da interdição absoluta. É capaz de ser mural, de ser canal e comunicador ao mesmo tempo, ecoando mensagens no imaginário de quem passa a sua frente. Mensagens de anuncio ou de denuncia, duas faces da mesma moeda, duas táticas de uma só estratégia: A invocação à outra realidade.


"No meu bairro, a pichação é bem comum, mas é um pouco diferente. A ultima foi no muro do colégio Leivas Macalão, homenagearam um menino que foi assassinado ali na frente após uma briga de gangue", contou Joseane. A pichação diz: "O sofrimento também é uma escola, glória ao pai. Indião sempre na memória". Essa homenagem, esse manifesto silencioso, é encarregado de gritar a realidade no ouvido dos que por ali passarem, para que não esqueçam que ali cresce o embrião do conflito de território físico e as discrepâncias sociais.


Independente da divergência de técnicas ou narrativas, os interesses confluem para a difusão de uma mensagem, explicita ou não. " As intervenções são fundamentais ao partir no caminho de legitimação do convívio social , pois ativam uma amplificação do olhar público sobre a cidade. Quebram a rotina", argumenta Felipe.


"Sua liberdade vale seu salário?","Permita-se", "Você praça, eu acho graça. Você prédio, eu acho tédio", "Mais amor por favor". Esses dizeres já são conhecidos de um bom observador da cidade São Paulo, e carregam mensagens que se propõem a romper com o jogo urbano para que questionamentos aflorem.

Adélia Pinheiro, professora aposentada, 66, decidiu deixar um recado em seu muro após ter sua residência assaltada duas vezes. Com letras firmes feitas com carvão no muro branco a clara mensagem : "Caríssimo ladrão, nesta casa não há mais nada para roubar. Já o fizeram com muita eficiência". A indignação de Adélia releva sua denúncia à violência presente em seu bairro Jardim Peri.

Seja através de Felipes ou Adélias, a cidade vai se comunicar, pois vive e tem algo a lhe dizer. Eles são apenas os porta-vozes anônimos em meio a ordem e a desordem.

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