terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Análise de charges de Claudius Ceccon para a Folha em 1984

Definição de charge
Do Frances charger (exagerar, carregar), vem a palavra Charge. Cujo objetivo é focar em uma realidade, geralmente política, sintetizando o fato com a visão de seu autor. As charges são uma critica humorística de um fato ou acontecimento especifico. São a reprodução gráfica de uma noticia já conhecida do publico, segundo a percepção do desenhista. Carregam sua visão, preconceitos e ideias, e também a linha editorial do veiculo onde estão inseridas.
“Charge é uma representação artística que faz um corte transversal no tempo ao expor elementos que provocaram alguma ruptura na normalidade histórica e, por isso, mereceram alguma espécie de critica ou registro em desenho.” (LIEBEL, Vinicius. 2005)
Partindo do conceito semiótico onde texto é tudo aquilo que possui significação, charge é um texto pictórico que contem signos de conhecimento público, podendo conter também texto verbal, o que revela o caráter interdisciplinar desse gênero artístico, e sua alta complexidade.
“Um texto define-se de duas formas que se complementam: pela organização ou estruturação que dele faz um todo de sentido, e como um objeto da comunicação que se estabelece entre um destinador e um destinatário” (BARROS, 2005)
Todo texto possui uma intencionalidade. Por ser carregada de abstrações, como a escolha do personagem, dos elementos constituintes, e algumas vezes o texto verbal, a charge deve ser interpretada minuciosamente a fim de perceber a intenção do autor para chegar ao sentido do texto.  
A charge tem caráter humorístico, contudo não é um texto ingênuo que apenas diverte, mas sim uma ferramenta importante de informação e conscientização no exercício da cidadania. Pois denuncia e critica aspectos da realidade, podendo ser caracterizada como um discurso ideológico.
Considerando a charge como uma fonte importante de informação, justifica-se sua utilização para análises com fins históricos, pois assim como uma matéria jornalística, coloca uma representação da sociedade vigente.
 Chargista
 Claudius Ceccon
            “O desenho de humor é muito mais livre que uma foto ou um filme. O humor pode usar a linguagem da fantasia, do surrealismo, pode fazer sínteses impossíveis por outros meios, desvelar mecanismos escondidos, abrir as cabeças por meio do riso” (CECCON, Claudius, 2013)
            Claudius Ceccon é um artista interdisciplinar: arquiteto, designer, caricaturista e jornalista. Publicou seus trabalhos nos grandes veículos brasileiros como a Revista Manchete, pelos jornais A Noite, Diário Carioca, Correio da Manhã, O Globo, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Sua carreira jornalística teve início ao trabalhar como auxiliar de paginador da revista O Cruzeiro em 1952. Começou a fazer suas caricaturas políticas em 1954, para o Jornal do Brasil. Trabalhou na Revista Pif-paf e na Senhor, onde conheceu os futuros parceiros que em 1969 fundariam o jornal  O pasquim, o qual colaborou até sua extinção em 1982, desafiando a censura e ditadura militar.
            Considerando seu exílio político em Genebra em 1971, não é difícil estabelecer uma idéia da posição política do cartunista de humor, Claudius Ceccon a respeito do período ditatorial no Brasil. Lá conheceu Paulo Freire e a preocupação que o acompanha até hoje e influenciou todo seu trabalho nasceu: a democratização da informação.  Fundou com Paulo Freire o Instituto de Ação Participativa (Idac), no qual realizou um importante projeto de alfabetização de adultos em países africanos de língua portuguesa.
            Em seu retorno ao Brasil em 1978, aplicou os métodos educativos utilizados pelo Idac em comunidades carentes de São Paulo em parceria com o arcebispo Dom Evaristo Arns. Após se desligar do instituto, passou a integrar a diretoria do Centro de criação de imagem popular (Cecip), onde até hoje desenvolve atividades pedagógicas em vídeos na cidade de Nova Iguaçu. Publicou diversos livros decorrentes desse trabalho educacional, e até hoje faz suas contribuições jornalísticas como por exemplo para a revista Caros Amigos.

 Análise de Charges

Charge Publicada Na Folha do dia 30/09/84:

O personagem representado na charge é o ex-governador e na época deputado federal Paulo Maluf, caracterizado pelo estilo do óculos fundo de garrafa, por seu peso, sua boca grande e o proeminente nariz. Maluf foi candidato à presidência via eleições indiretas pelo colégio eleitoral, e era contra a emenda institucional Dante de Oliveira que visava as eleições presidenciais de forma direta.
Na charge o personagem realiza um exame oftalmológico, com as inscrições que formam a palavra democracia, contudo ele não as identifica e as troca por letras que formam a palavra ditadura.
O Chargista que é pro-democracia assim como o veículo no dado momento ironizam  a imagem de Maluf, quanto suas características físicas e seus valores políticos. Maluf que apresenta problemas de visão, devido ao uso do óculos corretivo de grau elevado, é caracterizado com um problema de visão também ideológico. O personagem está reclinado e com olhos apertados, como se fizesse força para enxergar. Porém se nega a ver a nova realidade que se apresenta diante de seus olhos, e deturpa a palavra não só em seu sentido verbal, mas também simbólico conforme sua perspectiva.


Charge Publicada Na Folha do dia 16/09/84:


A charge apresenta os personagens de Maluf e Tancredo, batendo à porta do colégio eleitoral. Tancredo com flores nas mãos e Maluf munido com armas. Ambos eram candidatos às eleições indiretas para presidência e apresentavam uma relação de oposição politico-ideológica.
“O crescimento da candidatura, junto às faixas mais amplas da opinião pública, deveu-se mais à polarização e aos efeitos do contraste com Maluf do que propriamente às qualidades de Tancredo. Estuário natural da longa resistência à ditadura, o candidato da oposição beneficiou-se da natureza plebiscitária da competição. Não era preciso desejar a vitória de Tancredo para torcer por ela, bastava desejar a derrota de seu adversário “(Soares, 1993).

Tancredo possuía um discurso moderado, e mais à esquerda no cenário da época. Já Maluf, candidato pelo PDS possuía apoio dos militares. É lembrado "como político conciliador e hábil articulador político" por Roldão Arruda, jornalista do Estado de São Paulo.
As flores que Tancredo empunha e sua expressão calma, simbolizam e caracterizam seu discurso pacifico diante das divergências politicas do contexto. Já Maluf é endemonizado pelo chargista, através de sua expressão vil com a sobrancelha arcada e o porte de um armamento. Tancredo vem a frente, pois propunha a mudança apoiado pela opinião publica. Enquanto Maluf vem armado pois deseja impor que não haja mudança.

Charge Publicada Na Folha em 09/84:


A Charge representa Maluf tentando tirar coelhos de uma cartola furada. Com expressão de perplexidade e desconcerto, se dá conta que os coelhos fugiram.
“Maluf provocava quase apoplexia na esquerda, em boa parte do centro e até em alguns membros do PDS, que o viam como uma ameaça à democracia emergente. O ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, declarou em agosto de 1984 que Maluf era o homem mais odiado do Brasil e que não podia andar um quarteirão sem arriscar sua vida” (SKIDMORE, 1988)

A mensagem da charge é clara quanto a visão do veículo, do chargista e da opinião publica diante do desenrolar da votação indireta à presidência. O chargista apresenta o personagem como um mágico que tenta usar subterfúgios para lidar com a situação. Contudo “os coelhos fugiram da cartola”, assim como a situação que saiu do controle das mãos do então candidato, que estava com sua imagem manchada. 

Marina Chiapetta e Gabriela Prado

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